Diabetes mellitus em cães: insulinização e monitorização do tratamento

Empresa

MSD

Data de Publicação

29/06/2015

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AUTORES:
Alessandra M. Vargas, MV, MSc, Endocrinovet®
[email protected]
André Luís S. Santos, MV, MSc, Doutorando, Endocrinovet®

Segundo a American Diabetes Association, o diabetes mellitus (DM) inclui um conjunto de transtornos metabólicos de diferentes etiologias, caracterizados por hiperglicemia crônica resultante da diminuição da sensibilidade dos tecidos à ação da insulina e/ou da deficiência de sua secreção.

De acordo com a etiopatogenia, pode-se classificar o DM em tipo I (decorrente da destruição imunomediada do pâncreas) e tipo II (decorrente da resistência insulínica). A doença também pode ser classificada de acordo com a necessidade terapêutica em insulino-dependente e não insulino-dependente. Na prática clínica tal classificação não é muito útil visto que teoricamente todos os cães diabéticos necessitam de insulina exógena para a sobrevivência. É importante destacar que os termos DM insulino-dependente e DM tipo I não devem ser utilizados como sinônimos. Da mesma forma, também é incorreto afirmar que DM não insulino-dependente e DM tipo II são sinônimos.

Uma outra classificação proposta, leva em consideração a etiologia da doença: diabetes insulino-deficiente (caracterizado pela perda primária e progressiva de células B pancreáticas, sem a presença de resistência à ação da insulina) e diabetes insulino-resistente (caracterizado pelo antagonismo da ação da insulina por aumento na concentração séria de hormônios hiperglicemiantes, tais como progesterona, glicocorticoides, hormônio do crescimento, o que levará a falência pancreática).

As manifestações clínicas clássicas do DM incluem poliúria, polidpsia, polifagia e perda de peso. Caso o paciente apresente anorexia e/ou vômito deve-se investigar a presença de cetoacidose diabética (acidose metabólica decorrente de hiperglicemia e acúmulo de corpos cetônicos).

O diagnóstico baseia-se na presença das manifestações clínicas clássicas e na constatação de hiperglicemia (glicemia em jejum acima de 200mg/dL) e de glicosúria persistentes. Em cães cuja suspeita diagnóstica é o DM, a glicemia pode ser realizada mesmo que não estejam em jejum. Nestes casos, confirma-se o diagnóstico de DM se a glicemia for superior a 273 mg/dL.

O tratamento do DM consiste em administrações diárias de insulina, manejo dietético e eliminação dos fatores de resistência (caso estejam presentes).

As insulinas podem ser classificadas de acordo com a duração de seu efeito:

- AÇÃO CURTA: efeito imediato. Por exemplo, insulina Regular. Pico de ação entre 30 e 120 minutos. Administração por via intravenosa (IV), intramuscular (IM) ou subcutânea (SC). Indicada no tratamento da cetoacidose diabética.

- AÇÃO INTERMEDIÁRIA: início de ação 30 a 120 minutos após a aplicação. Pico de ação entre 2 e 10 horas. Administração apenas por via SC. Por exemplo, Caninsulin® e insulina NPH. Ambas indicadas no tratamento crônico do DM em cães, sendo a Caninsulin® a única insulina veterinária registrada no Brasil com indicação também para gatos.

- AÇÃO LONGA: início de ação 30 minutos a 8 horas após a aplicação. Pico de ação entre 4 e 16 horas. Administração apenas por via SC. Por exemplo, insulinas ultralenta e PZI. Nota: insulinas não disponíveis no Brasil, devido à sua pouca utilização.

O frasco de insulina deve ser armazenado na posição vertical, em local refrigerado (temperatura entre 2ºC e 8ºC), protegido da luz, fora de embalagem térmica ou isopor e distante do congelador. As injeções são administradas no gradil costal do paciente, por via subcutânea, sendo recomendado alternar o local de aplicação entre o lado direito e esquerdo do paciente.

Para o tratamento crônico do DM em cães utiliza-se insulina de ação intermediária (Caninsulin® ou NPH). Preferencialmente utilizamos a insulina porcina Caninsulin® , uma vez que a insulina de origem suína é idêntica à insulina do cão, o que reduz a probabilidade de desenvolvimento de anticorpos anti-insulina, o que poderia causar resistência à ação da insulina, enquanto que a insulina NPH (recombinante humana) difere em 1 aminoácido da insulina canina.

Na maioria dos casos, a insulina deve ser administrada a cada 12 horas (BID) e menos frequentemente a cada 24 horas. A aplicação de insulina a cada 12 horas leva a um melhor controle da glicemia ao longo do dia e reduz o risco de hipoglicemias. A dose inicial sugerida pela literatura é de 0,25 UI/kg/BID (para cães com peso corpóreo superior a 10kg) a 0,5 UI/kg/BID (para cães com peso corpóreo inferior a 10kg). Da mesma forma, o manejo alimentar mais adequado consiste na administração das refeições a cada 12 horas, no mesmo horário em que são realizadas as aplicações de insulina. Com relação à dieta do paciente diabético, a quantidade e a composição das refeições devem ser constantes, ou seja, sempre as mesmas e em horários pré-determinados. Preconiza-se o uso de alimentos coadjuvantes para pacientes diabéticos, os quais apresentam baixo teor de carboidratos solúveis e alto teor de fibras, o que reduz a hiperglicemia pós-prandial. Recomenda-se que o médico veterinário calcule a quantidade de ingestão calórica diária para cada paciente, com o objetivo de se evitar a ocorrência de obesidade, e consequentemente, a resistência à ação da insulina.

O objetivo do tratamento é eliminar as manifestações clínicas do diabetes mellitus além de evitar as complicações crônicas associadas à doença. Cães diabéticos bem controlados não precisam apresentar normoglicemia (80 a 120 mg/dL). Os pacientes se apresentarão saudáveis e assintomáticos se os valores de glicemia estiverem entre 100 e 250 mg/dL na maior parte do dia.

Os ajustes na dose da insulina devem ser feitos a cada sete a 14 dias, sendo fundamental levar em consideração a opinião do tutor sobre a intensidade das manifestações clínicas bem como do estado geral do paciente, a estabilidade do peso corporal (pacientes com mau controle glicêmico perdem peso), os achados do exame físico do paciente e a mensuração das glicemias, cujo objetivo é identificar o nível glicêmico mais baixo e a duração do efeito da insulina. Recomenda-se proceder à mensuração da glicemia em jejum, antes da aplicação da insulina (cães com bom controle apresentam glicemia entre 126 e 288 mg/dL) e da glicemia no pico de ação da insulina, seis a oito horas após aplicação da insulina (cães com bom controle apresentam no pico de ação da insulina, glicemia entre 70 e 160 mg/dL).

Caninsulin® é uma insulina de uso veterinário e consiste em uma suspensão aquosa de insulina-zinco que contém 40 UI de insulina suína de alta purificação em 1mL, sendo composta por 30% de insulina de zinco amorfa e 70% de insulina de zinco cristalina. Para se proceder à transição da insulina NPH (uso humano) para a Caninsulin® (uso veterinário) deve-se administrar a mesma dosagem para o paciente. Por exemplo, um cão recebendo 10 UI de insulina NPH deverá receber 10 UI de Caninsulin®, desde que seja utilizada a seringa exclusiva para aplicação da Caninsulin®. É muito importante utilizar seringas específicas, de acordo com a concentração da insulina.

Concentração de NPH = 100 UI/mL ---> ERA utilizada a seringa U-100
Concentração de Caninsulin® = 40 UI/mL ---> SERÁ utilizada a seringa U-40

Com relação à administração da insulina, deve-se manter a mesma frequência, ou seja, se antes da transição o paciente recebia, por exemplo, a insulina NPH a cada 24 horas, após a transição deverá receber a Caninsulin® também a cada 24 horas. O mesmo se aplica para pacientes tratados com insulina a cada 12 horas.

O prognóstico para o paciente diabético dependerá do correto diagnóstico e posterior instituição do tratamento pelo médico veterinário, da presença ou não de doenças concomitantes bem como da dedicação dos tutores na realização do tratamento. Geralmente o prognóstico é bom e o paciente diabético pode apresentar qualidade de vida semelhante a de um paciente saudável.

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