Informativo Técnico - Ciclo 5 Uma visão geral sobre o manejo dos cães com hipersensibilidade
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A alergia alimentar é uma reação imunomediada anormal a um alimento ou ingrediente comumente utilizado na alimentação de cães. A intolerância alimentar, por outro lado, não é imunomediada e é considerada uma reação idiossincrática. A hipersensibilidade tem graves consequências na pele, no trato gastrointestinal ou em ambos. Os antígenos dos alimentos são quase exclusivamente proteínas, que são consideradas estranhas pelo sistema de defesas naturais do organismo. Outras formas de reações adversas aos alimentos podem incluir intoxicação alimentar e envenenamento. Ao contrário de alergia ou intolerância alimentar, que são respostas anormais a alimentos ou ingredientes comuns, o envenenamento ou intoxicação refere-se a reações biológicas normais para toxinas ou agentes infecciosos presentes nos alimentos. A alergia alimentar pode se manifestar com sinais dermatológicos, sinais gastrointestinais (GI) ou ambos. Os sinais dermatológicos da alergia alimentar são semelhantes aos da dermatite atópica, que comumente ocorrem juntas. (Tabela 1) Os sinais GI podem incluir vômitos, diarreia e borborigmos. (Tabela 2)
Evitar as reações adversas aos alimentos em animais sensíveis é um dos grandes desafos dos especialistas em nutrição. A inclusão de fontes alternativas ou novas de proteínas, boas fontes de ácidos graxos ômega 3 e antioxidantes na alimentação ajudam a reduzir os sintomas e auxiliam na recuperação dos tecidos de cães especialmente sensíveis, o que tem demonstrado ser uma forma eficaz de gestão desses pacientes.
Pontos-chave
• A alergia alimentar é uma reação imunomediada anormal para um ingrediente alimentar comum;
• Os sinais clínicos da alergia alimentar podem se manifestar por sintomas dermatológicos e/ou gastrointestinais;
• Pacientes que apresentam ambos os sinais (dermatológicos e gastrointestinais) são mais propensos a ter o diagnóstico confirmado para alergia alimentar.
Desenvolvimento do processo de alergia e intolerância
A alergia alimentar e a intolerância alimentar são reações anormais a um alimento ou ingrediente que é normalmente considerado inofensivo. Nas pessoas, as reações alérgicas são comumente causadas por alguns alimentos como frutos do mar ou amendoins. Em animais, uma proteína comum, como carne, leite e seus derivados é muitas vezes o gatilho para as reações (Tabela 3). Ao ingerir alimentos que causam uma reação alérgica o resultado pode ser desde desconfortos e inflamações no trato gastrointestinal até reações na pele, que fazem com que o animal tenha prurido e lesões na pele por arranhadura, favorecendo as infecções secundárias.
Animais que têm alergia ou intolerância alimentar podem viver normalmente uma vida saudável e ficar livres de sintomas, desde que os alimentos ou ingredientes que lhe causam a alergia sejam evitados. Mesmo em pequenas porções o alimento alergênico pode desencadear uma reação alérgica e, por isso, os proprietários devem ser orientados a proteger o seu animal de estimação constantemente contra a exposição a esses ingredientes, alimentando-os somente com a dieta de alta tolerância recomendada pelo médico veterinário. É importante também orientar o proprietário do animal que a alergia alimentar e a intolerância alimentar são condições crônicas que perduram por toda a vida do animal de estimação. Mas a boa notícia é que atualmente existem diversos alimentos comerciais de alta tolerância, o que torna o manejo alimentar fácil e viabiliza a manutenção do animal de forma assintomática, se o proprietário seguir cuidadosamente as recomendações de alimentação.
Múltiplas alergias e o “Limiar de Prurido”
As alergias múltiplas se caracterizam por reações alérgicas a mais de um agente causal e são bastante comuns nos pacientes alérgicos, o que gera um “efeito aditivo” dos sinais clínicos, principalmente cutâneos, fazendo com que o limiar de prurido seja atingido. Isto significa que a gestão de apenas um fator alérgico pode ajudar a reduzir o limiar de prurido de tal forma que os sinais das alergias concomitantes não se manifestem, tornando o paciente assintomático.
O prurido leva o cão a ter vontade de coçar, esfregar, arranhar, pressionar e lamber a área em causa, pois, ao fazer isso de forma vigorosa, causa-se dor, o que diminui a sensação prurítica por um curto período, aliviando os sintomas mesmo que, após esse alívio, o prurido possa aumentar. O ato de arranhar danifica a pele, o que mantém e reforça o processo inflamatório local, levando a produção de prostaglandinas, leucotrienos e histamina. Essas substâncias produzidas pelas células inflamatórias são pruritogênicas, o que consequentemente aumenta as respostas aos estímulos mecânicos, levando a lesões por autotraumatismo, hemorragias, escoriações, úlceras e crostas.
Diagnóstico
O diagnóstico de alergia alimentar é baseado em sinais físicos, anamnese, exames de sangue e resultados de uma dieta experimental de eliminação (com novos ingredientes ou hipoalérgica) com desafo subsequente. Infelizmente, os testes sorológicos ou intradérmicos atualmente disponíveis não são eficazes para diagnosticar alergias aos alimentos. As alergias alimentares podem ocorrer em animais de qualquer idade. A história de prurido crônico, não sazonal, otite externa crônica, dermatite miliar ou alopecia pode ser um indicativo da presença de dermatite alérgica alimentar. Os sinais gastrointestinais podem incluir vômitos, diarreia ou borborigmos, além de diarreia de intestino grosso, muito comum em cães. A presença de prurido concomitante com otite e a presença de sinais gastrointestinais aumentam a suspeita de alergia a alimentos. É necessário descartar outras causas que podem ser confundidas com alergias alimentares. (Tabela 2) A localização e o tipo das lesões de pele podem auxiliar no diagnóstico, já que em quase 25% dos cães alérgicos alimentares a otite pruriginosa pode ser o único sinal clínico, enquanto lesões predominantemente localizadas na metade caudal do corpo, por exemplo, são mais consistentes com alergia a picada de pulga (DAP).
Em pacientes com quadros pruriginosos, a citologia de pele deve ser avaliada para infecções bacterianas e malasseziose. Infelizmente, o histórico médico não ajuda a diferenciar alergia alimentar de alergia atópica, uma vez que os sinais clínicos podem ser idênticos ou, ainda, elas podem existir simultaneamente. Exames de sangue, urina e fezes devem ser solicitados para pacientes com sinais GI para descartar causas sistêmicas ou parasitárias de vômitos ou diarreia.
Gestão nutricional de hipersensibilidade alimentar
O objetivo da realização da gestão nutricional e de uma dieta de eliminação é remover qualquer exposição a alérgenos, aos quais o paciente possa ser sensível. A dieta deve ser utilizada por um período de médio a longo prazo e por isso, além de evitar os possíveis alérgenos, ela precisa ter algumas características específicas, como fornecer uma nutrição completa e balanceada, ser palatável e ser conveniente para o proprietário. Os clientes (proprietários) devem compreender que a ingestão controlada durante o período de eliminação para o diagnóstico de possíveis alérgenos não inclui somente a refeição principal, mas engloba quaisquer outras ingestões do animal, tais como medicamentos saborizados, pedaços de comida usados para dar medicamentos e quaisquer outros alimentos. Depois de confirmado o diagnóstico de alergia alimentar, a gestão nutricional tem o objetivo de impedir que o cão tenha contato com os alimentos que contêm a proteína ou os ingredientes que lhe causam a alergia.
Dietas feitas em casa com novos ingredientes / proteínas
As dietas caseiras mais simples incluem uma fonte de proteína e uma fonte de carboidrato a que o paciente não teve exposição previamente. Esse tipo de formulação pode não ser uma dieta completa e balanceada, a não ser que seja formulada por um nutricionista, e por isso ela deve ser oferecida apenas durante o diagnóstico. Estudos publicados utilizando dietas caseiras sugerem uma taxa de abandono de preparo pelo proprietário de 15% a 36%. Os motivos de abandono são na sua maioria pela dificuldade na preparação de alimentos, desenvolvimento de quadros de diarreia ou recusa do paciente.
Dietas comerciais com novos ingredientes / proteínas
Outra abordagem para o gerenciamento de animais com alergia alimentar é alimentá-los com uma dieta comercial com novas fontes de proteínas. Essas dietas são formuladas com um limitado número de ingredientes para reduzir as chances de que o alimento contenha algum alérgeno ao qual o paciente é hipersensível. Tal como acontece com dietas feitas em casa, a escolha dos ingredientes deve ser por proteínas e ingredientes aos quais o animal não tenha sido exposto previamente, levando em consideração suas dietas anteriores. Alguns estudos publicados mostraram que as dietas comerciais com novos ingredientes podem ser utilizadas com sucesso para diagnosticar alergias alimentares. No entanto, se o animal tiver alergia a algum componente da dieta, ela não irá funcionar tão bem. Por isso, o ideal é que seja feito um bom diagnóstico e uma excelente anamnese dietética antes da seleção de uma dieta para um paciente com suspeita de alergia alimentar. Porém, embora possa haver limitações para o uso de dietas com novas proteínas durante o período de diagnóstico, estudos demonstraram que de 84% a 95% dos cães que foram diagnosticados com alergia alimentar tiveram sucesso na gestão do quadro com esse tipo de dieta. Se as alergias no paciente não são conhecidas, pode ser necessário testar várias dietas com diferentes fontes de proteína até que a dieta adequada para aquele paciente seja encontrada.
Dietas comerciais com proteínas hidrolisadas ou hipoalergênicas
Outra opção para dietas de eliminação é a utilização de um alimento feito com proteínas hidrolisadas. A capacidade de uma proteína para induzir uma hipersensibilidade imunomediada depende do seu tamanho e de sua estrutura. A maioria dos alérgenos alimentares comuns são proteínas com peso molecular entre 18.000 e 70.000 Daltons. As proteínas desses tamanhos podem passar através das membranas da mucosa e terem complexidade molecular suficiente para permitir a ativação do sistema imunológico. A hidrólise fragmenta as proteínas em pequenos polipeptídios, criando proteínas dietéticas de baixo peso molecular que não são reconhecidas pelo sistema imune, tornando as proteínas não alergênicas ou hipoalérgicas. O peso molecular ótimo de um hidrolisado de proteínas varia de acordo com o tipo da proteína. Além de hidrólise de proteínas, dietas hipoalergênicas devem ser formuladas usando fontes de carboidratos que contenham pouca ou nenhuma proteína para reduzir o risco de nova resposta alérgica. Ambas as gestões são eficazes quando diagnosticado e encontrado o agente causador.
Orientações ao proprietário
• Forneça ao cão apenas água e os alimentos prescritos, não dê quaisquer petiscos (queijo, biscoitos, ossos) e não o exponha a outros itens, como pasta de dente ou qualquer outro produto perfumado;
• Tenha certeza de que o cão não tem acesso ao comedouro de qualquer outro animal – a menos que eles consumam o mesmo alimento – ou a outros locais como o lixo. Mesmo uma pequena quantidade de um alimento não prescrito pode desencadear uma alergia e arruinar o trabalho de várias semanas;
• A duração da dieta restrita é muito importante: muitas vezes pode demorar pelo menos seis semanas para se notar melhora e 12 semanas para eliminar as causas dietéticas;
• A alergia alimentar e a intolerância alimentar são condições crônicas que perduram por toda a vida do animal de estimação, mas é possível mantê-lo sem sintomas se o proprietário seguir cuidadosamente as recomendações de alimentação por toda a vida.