Alterações de intestino delgado em gatos

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Total Alimentos - Equilíbrio

Data de Publicação

16/03/2016

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Pedro V. P. Horta.

Formado em Medicina Veterinária pela FMVZ-USP
Residência em clínica médica de pequenos animais na FMVZ-USP
Mestrado em clínica médica na FMVZ-USP
Professor de pós-graduação em felinos da Anclivepa, Equalis e Metodista
Membro da American Association of Feline Pratice
Atendimento exclusivo de felinos na VETmasters e Pet Care Hospital Veterinário.

INTRODUÇÃO

As doenças do intestino delgado em felinos domésticos são comuns, podendo ocorrer em qualquer idade, apesar de serem mais frequentes em adultos e idosos. Como são alterações com sintomas geralmente inespecíficos, muitas vezes sutis e menos severos, podem passar despercebidos pelos clínicos, o que torna o diagnóstico mais complexo e o tratamento mais raro.

Classicamente se espera que animais com alterações de intestino delgado tenham diarreia como o principal sintoma, especificamente diarreia com características dessa região intestinal, em grandes volumes sem urgência nem disquesia, sem muco ou sangue, etc. (tabela 1).

Características das diarreias de acordo com a região intestinal afetada

Tabela 1 - Características das diarreias de acordo com a região intestinal afetada

Nos gatos, a diarreia é somente o terceiro sintoma mais comum nesses animais. O principal achado é perda de peso, seguido de êmese e depois diarreia (DENNIS et al., 1993; HART et al., 1994) (gráfico 1). Esses sintomas podem ocorrer de forma isolada ou associada.

É interessante notar que muitos proprietários não consideram essas manifestações como sintomas de doença, achando natural a perda de peso com a idade ou mesmo vômitos frequentes, considerando que podem ser por engasgos, eliminação de pelos, comer rápido demais ou outras desculpas. É papel do clínico questionar sobre vômitos, características e frequências destes.

Porcentagem de manifestações clínicas apresentadas por animais com doenças de intestino delgado

Gráfico 1 - Porcentagem de manifestações clínicas apresentadas por animais com doenças de intestino delgado (NORSWORTHY et al., 2013)

Esses sintomas inespecíficos (perda de peso, êmese e diarreia) têm outros diagnósticos diferenciais além da síndrome de má absorção (que é causada pelas alterações de intestino delgado). Outras alterações metabólicas têm os mesmos achados, como o aumento de metabolismo (causado pelo hipertireoidismo, doença comum em animais com mais idade), diabetes mellitus e, mais raramente, síndrome de má digestão (como insuficiência pancreática exócrina, que não é comum em gatos). Por isso animais com essa manifestações clínicas precisam de exames laboratoriais para descatar outras possibilidades.

A alteração mais comum no exame físico é a perda de peso. É necessário realizar um exame físico completo procurando outras alterações, notadamente palpação de tireoide ou halitose acética. Notar a perda de massa muscular pode ser mais importante que a perda de peso total. A palpação da camada de musculatura sobre as costelas, coxal e escápulas de ser feita em todos os pacientes.

Perceber diferenças do intestino com palpação abdominal é complexo, na maioria das vezes são variações muito discretas na espessura (de poucos milímetros) e como os intestinos são órgãos musculares, essas variações podem ser por contrações ou turgidez durante a manipulação. O ultrassom de abdome é o melhor exame para avaliar essas alterações e é essencial para o diagnóstico.

O ultrassom é um exame simples e não invasivo, que permite avaliar a espessura dos intestinos, sua estrutura de camadas e a motilidade, além de avaliar os demais órgãos abdominais. Como as alterações intestinais são a principal causa de êmese em gatos, todos os animais que vomitam mais de 3 vezes por mês precisam realizar o exame.

No ultrassom, o intestino normal se apresenta com cinco camadas de ecogenicidades alternadas, sendo a mais interna o lúmen intestinal (hiperecogênico), seguido da mucosa (hipoecogênica), submucosa (hiperecogênica), muscular (hipoecogênica) e a mais externa a serosa (hiperecogênica) (Figura 1).

Imagem de ultrassom mostrando as 5 camadas do intestino

Figura 1 - Imagem de ultrassom mostrando as 5 camadas do intestino, marcada com “+” . Número 1 localiza o lúmen intestinal, seguido pelas outras camadas (mucosa, submucosa, muscular) e a serosa, marcada pelo “+" mais abaixo. Foto do arquivo pessoal Dra. Mariana Ferreira.

Como as principais doenças de intestino delgado causam espessamento das camadas intestinais, a medida dessas espessuras em diferentes regiões é importante para o diagnóstico desses animais. Existem variações nos padrões de espessuras normais dos intestinos, na maioria das vezes considerando espessuras diferentes para os diferentes segmentos. Alguns autores descrevem espessuras de até 0,38 cm como normais (GASCHEN, 2011; NEWELL et al., 1999). Trabalhos mais recentes mostram que essas medidas não são normais, aceitando como normal até 0,25 cm de espessura; usando a espessura de 0,28 cm como limite de normalidade a especificidade do ultrassom é de 99% para alterações (NORSWORTHY et al., 2013).

As causas mais comuns desses espessamentos são células inflamatórias (doença inflamatória intestinal) ou células neoplásicas (como linfoma, carcinoma ou mastocitoma). Usando como limite a espessura de 0,28 cm, 49% dos animais tinham doença inflamatória intestinal e 50% tinham alguma neoplasia, somente 1% não tinham alteração com esse limite de espessura (Gráfico 2).

Apesar de o ultrassom ser essencial para determinar alterações no intestino delgado, ele não permite diferenciar a causa dessa alteração, uma vez que a imagem ultrassonográfica é idêntica para todas as alterações. Algumas lesões mais severas, como espessamentos importantes de diversos segmentos, aumento de linfonodos abdominais e perda de estratificação de camadas são mais sugestivas de neoplasias, mas não patognomônicas delas.

Gráfico de porcentagem de alterações encontradas em animais com espessura intestinal acima de 0,28 cm.

Gráfico 2 - Porcentagem de alterações encontradas em animais com espessura intestinal acima de 0,28 cm. (NORSWORTHY et al., 2013)

Para diferençar as causas é necessário realizar biópsia intestinal, para histopatologicamente diferenciar tumores de inflamações (mesmo assim, alguns tipos de linfoma são complexos de serem diferenciados de inflamações). É recomendado realizar a biópsia por laparotomia, pois é preciso realizar análise histopatológica de todas as camadas do intestino (endoscópio somente consegue biopsiar as camadas mais internas do intestino) e a maioria das alterações ocorre no jejuno, local onde o endoscópio não consegue atingir. Por isso as amostras obtidas por laparotomia são superiores as da endoscopia (EVANS et al., 2006).

O procedimento de biópsia é simples e a recuperação dos gatos costuma ser muito boa, sem complicações e com pós-operatório confortável. É feito rapidamente, usando um "punch" de 6 mm para as biópsias do intestino (figuras 2 a 4). Como o diagnóstico preciso permite o melhor tratamento e aumenta a sobrevida, ele é recomendado para todos os animais com suspeita de doenças no intestino delgado.

Biópsia de segmento intestinal realizada com punch de 6 mm

Figura 2 - Biópsia de segmento intestinal realizada com “punch" de 6 mm no local de maior espessamento intestinal, diagnostico posterior de linfoma linfocítico. Foto do arquivo pessoal.

Região de grande espessamento intestinal focal

Figura 3 - Região de grande espessamento intestinal focal, em animal com diagnóstico posterior de carcinoma intestinal. Foto do arquivo pessoal.

Segmento de alça intestinal aberto

Figura 4 - Segmento de alça intestinal aberto, evidenciando grande aumento da espessura da parede e corpo estranho (folha), diagnóstico posterior de linfoma linfoblástico. Foto do arquivo pessoal.

Doença inflamatória intestinal

Os sintomas e consequências da doença inflamatória intestinal (DII) ocorrem por infiltração de células inflamatórias nas paredes intestinais. As causas dessa inflamação não são totalmente entendidas, sendo classicamente uma doença idiopática. Mas, por uma simplificação clínica, são incluídas nesse diagnóstico outras alterações que geram inflamações no intestino, como reações alimentares (JERGENS et al., 1992).

As reações alimentares englobam todas as inflamações causadas por alimentos, como hipersensibilidades a antígenos da dieta, alergia alimentar ou alimentos inadequados.

A DII é um diagnóstico de exclusão, quando se descartou outras causas de inflamação (como infecções e parasitas intestinais) e principalmente a presença de neoplasias (WASHABAU et al., 2010).

Características

As manifestações da DII são as mesmas de quaisquer alterações de intestino dos felinos, não sendo possível diferenciar a causa pelas características raciais, idade, sintomas ou exame físico.

A DII sempre foi considerada como doença autoimune, em que um desequilíbrio do sistema de defesa do organismo é a responsável pela inflamação intestinal. É sabido que esses pacientes apresentam alterações na produção de citocinas inflamatórias e tambpem nas imunomoduladoras (NGUYEN et al., 2006).

Além da ação do sistema imune, existe a participação de outros fatores, como por exemplo, presença de bactérias intestinais, influenciando no aumento da inflamação (JANECZKO et al., 2008).

Portanto, a DII pode ser considerada como uma consequência da reação a antígenos no intestino (sejam eles de bactérias patogênicas, da microbiota intestinal normal, de parasitas ou de alimentos) associado a alterações de imunológicas do animal.

Diagnóstico

A ultrassonografia de abdome é o primeiro exame para diagnosticar alterações intestinais, onde se procura espessamento das camadas intestinais em diferentes segmentos (Figura 5).

Ultrassom de duodeno

Figura 5 - Ultrassom de duodeno, com espessamento de alça (0,31 cm), evidenciando camada muscular (a mais comum de espessar em doenças do intestino delgado), em animal com doença inflamatória intestinal. Foto do arquivo pessoal Dra. Mariana Ferreira.

O diagnóstico final é realizado por meio de biópsia intestinal, para descartar a presença de formações neoplásicas e confirmando assim a presença de inflamação. Os exames de sangue podem ser normais e não existem características laboratoriais patognomônicas de DII. Alguns animais apresentam aumento da atividade de enzimas hepáticas, hemoconcentração por desidratação discreta (JERGENS et al. 1992) e hipocobalaminemia é uma consequência comum (SUCHODOLSKI, STEINER, 2003). Os exames de sangue são importantes no diagnóstico para descartar outras possibilidades, como doenças não relacionadas com o sistema gastrintestinal (hipertireoidismo e diabetes mellitus, por exemplo).

Os critérios para determinar a DII foram determinados pela World Small Animal Veterinary Association (WSAVA) (WASHABAU et al., 2010):

  • Sintomas (perda de peso, êmese, diarreia) por mais de 3 semanas;
  • Sem melhora com tratamento sintomático (como vermífugos, antibiótico, troca de dieta);
  • Sem causa evidente;
  • Sem presença de neoplasia no histopatológico intestinal.

As causas mais comuns de infamação são infiltração linfocítica/plasmocítica nos intestinos, correspondendo de 70% a 100% dos casos (CRANDELL et al., 2006; JERGENS et al., 1992). Outras causas de infamações são mais raras e, dependendo do tipo, podem ter uma resposta mais pobre à terapia medicamentosa. São descritas inflamações eosinofílicas, neutrofílicas, mistas e granulomatosas (esta última normalmente relacionada à infecção pelo coronavírus, vírus causador da peritonite infecciosa felina - PIF) (KLEINSCHMIDT et al., 2010).

É interessante notar que não existe uma relação direta da gravidade da inflamação na análise histopatológica com a intensidade dos sintomas apresentados. Assim, gatos com alterações inflamatórias discretas podem ter sintomas importantes e vice-versa (JERGENS et al., 1992).

Tratamento

O tratamento consiste em dois pilares, a troca de alimentação e o uso de medicamentos, usualmente imunomoduladores.

Como reações a alimentos (hipersensibilidade, alergias) podem ser a causa ou fator agravante da DII, sempre é recomendada a troca de alimentação para dietas específicas. Apesar de alguns trabalhos não demonstrarem grande benefício somente com a troca da ração, Guilford et al. obteve melhora em 29% dos animais somente com essa medida. Essa melhora ocorreu em aproximadamente 4 dias após a mudança total de alimento (GUILFORD et al., 2001), mais rápido do que o normalmente descrito.

A escolha da nova dieta é importante para o sucesso da terapia. É recomendado o uso de alimento industrializado de alta qualidade e balanceado como rações terapêuticas para não ocorrer deficiências nutricionais. Esse alimento deve ser de fácil digestão e não deve conter antígenos que estimulem o sistema imune. Isso pode ser feito com o uso de novas proteínas com as quais o animal ainda não teve contato (fonte de alimentos que ele não tenha comido anteriormente) ou, preferencialmente, com o uso de proteínas hidrolisadas, pois são mais fáceis de serem digeridas e diminuem a antigenicidade por serem menores e consideradas fonte nova de proteína, desde que o animal não tenha tido contato anteriormente. A palatabilidade também é um fator que precisa ser considerado na escolha da ração, pois, pelo temperamento dos felinos, não temos como forçá-los a comer algo que não aceitem.

Mesmo os animais que respondem à troca de dieta precisam ser acompanhados, pois alguns que têm DII sem relação com alimentos podem melhorar temporariamente com a troca de ração. Como há uma alteração de antígenos e também da microbiota intestinal, a melhora pode ocorrer independentemente da causa (HART et al., 1994).

A terapia medicamentosa quase sempre é necessária, sendo feito o uso de imunomoduladores, geralmente cortisona. Entre os diferentes tipos de cortisona, a primeira opção é por variações menos potentes e de uso oral, por serem mais seguras e causarem raros efeitos colaterais nos gatos. Como felinos podem ter deficiência na glucuronidação hepática de alguns medicamentos, é preferível usar a forma ativa de cortisona, como a prednisolona (em vez de prednisona ou outros tipos de corticoides).

Não existe um protocolo padrão ou dose correta para o uso de prednisolona nos casos de DII, isso depende dos sintomas, da gravidade do quadro e do tempo de evolução. O usual é 1 a 2 mg/Kg SID durante 15 dias e ir reduzindo gradativamente a dose conforme avaliação dos sintomas e exames de imagem, se possível passando para medicação cada 48 horas (em dias alternados).

Sempre com o uso de medicamentos é feita a troca da dieta para alimento terapêutico para auxiliar no tratamento. Com a rediução gradual da dose de cortisona queremos observar se somente a nova dieta é suficiente para controlar os sintomas, eliminando a necessidade de medicamentos de uso contínuo.

Alguns animais que dependem de cortisona para controlar da inflamação, uma opção para o uso crônico é a budesonida. Ela é uma cortisona menos potente, com a absorção sistêmica bem reduzida em comparação a outros corticoides. Assim, ela tem ação mais específica e com menos efeitos colaterais. A dose de budesonida equivalente a 5 mg de prednisolona é de 1 mg. Esse medicamento precisa ser manipulado em farmácias específicas em forma de cápsulas entéricas e ser administrada inteira (sem abrir a cápsula ou dissolver o conteúdo), para que sua dispersão ocorra no intestino. Para os animais que respondem bem a esse tratamento, também é recomendado fazer a redução gradual da dose para determinar a menor quantidade eficaz de medicamento (do mesmo modo que é feito com a prednisolona).

Muitos animais com DII apresentam diminuição dos níveis séricos de cianocobalamina (vitamina B12). É recomendado exame de sangue para avaliar a presença da hipocobalamenia, já que ela pode piorar os sintomas e diminuir a resposta ao tratamento (SIMPSON et al., 1997). A dose recomendada é de 250μg/gato por via SC, 1 vez por semana durante 4 semanas, após a dose é feita mensalmente e ajustada conforme os níveis séricos. Quando não é possível realizar a dosagem de cobalamina é recomendado realizar a suplementação em todos os animais.

Em animais que não respondem bem à terapia inicial ou que tem inflamações muito severas é preciso reavaliar o diagnóstico (revendo os exames e conversando com o histopatologista) e procurar outros fatores complicadores, como falhas na dieta, presença de parasitas ou infecções. Nesses casos, as opções terapêuticas são o aumento da dose de prednisolona ou a associação de outro imunomodulador. O segundo medicamento de escolha é o clorambucil, um quimioterápico alquilante que tem ação lenta e controla a multiplicação das células inflamatórias. A dose é de 2 mg/gato, 3 vezes por semana (segundas, quartas e sextas, por exemplo). É um medicamento seguro que apresenta poucos efeitos colaterais

Medicamentos comumente usados no tratamento de doença inflamatória intestinal dos femininos.

Tabela 2 - Medicamentos comumente usados no tratamento de doença inflamatória intestinal dos femininos.

Linfoma

O linfoma é uma neoplasia maligna que apresenta diversas formas e manifestações. Quando afeta o trato digestório (quase sempre limitado aos intestinos) é chamado de linfoma alimentar ou linfoma intestinal.

O linfoma alimentar é uma doença múltipla que apresenta diferentes classificações. Já foi dividido em até 8 categorias diferentes (POHMAN et al., 2009), mas para a clínica, usamos uma categorização mais simples, baseado no grau histopatológico, que tem relação direta com o prognóstico e com o tratamento. Assim, temos 2 tipos de linfoma alimentar, o de baixo grau, também chamado de linfocítico ou de pequenas células, que tem o melhor prognóstico e resposta ao tratamento e o de alto grau, referido também como linfoblástico ou trandes células, que é mais agressivo.

Alguns patologistas ainda consideram um terceiro tipo, o de grau intermediário. Na rotina clínica, podemos considerar o linfoma de grau intermediário como um de alto grau.

Linfoma de baixo grau

O linfoma de baixo grau, ou de pequenas células ou linfocítico, é o tipo mais comum de linfoma alimentar, correspondendo a paroximadamente 3/4 de todos os linfomas intestinais (KONDE, PUGH, 1996). Sua prevalência é semelhante a da DII (KLEINSCHMIDT et al., 2010).

Como essa neoplasia é composta por linfócitos pequenos e muito semelhantes aos normais, a diferenciação do linfoma linfocítico da DII linfocítica (a mais comum) é muito difícil, tanto para o clínico quanto para o patologista. Uma vantagem para os clínicos de felinos é que o tratamento de ambas condições também é semelhante.

Por essa semelhança entre as duas doenças, existe a teoria que a inflamação intestinal crônica pudesse ser a causadora de mudanças genéticas celular e evolui de DII para linfoma alimentar (CARRERAS et al., 2003; FONDACARO et al., 1999), reforlando a necessidade de tratar e controlar a inflamação em animais com DII, mesmo se os sintomas forem discretos. Outros autores não concordam com essa teoria de evolução, considerando que os linfomas já surgem assim, somente são erroneamente classificados com DII pela dificuldade diagnóstica.

Características

As características do linfoma de pequenas células são muito semelhantes às da DII. O sintoma mais comum é a de perda de peso (ocorre em 82% a 100% dos casos), seguido de vômitos (EVANS et al., 2006; LINGARD et al., 2009). Diarreia é somente o tereceiro sintoma desses animais.

É uma doença difusa que afeta quase todo trato gastrintestinal. Por isso seu tratamento é clínico, não há indicação de remoção cirúrgica de segmentos intestinais afetados. O jejuno é o segmento intestinal mais afetado, estando comprometido em 100% dos casos. O segundo segmento mais comum é o íleo (93% a 100% dos casos); estômago e cólon raramente são acometidos (EVANS et al., 2006; LINGARD et al., 2009). Essa distribuição é mais um fator que inviabiliza a obtenção de biópsias por endoscópico para o diagnóstico da enfermidade, uma vez que são regições onde não é possível chegar com o aparelho para obter amostras para histopatologia.

Os linfonodos mesentéricos são acometidos pelo linfoma em 59% dos casos (LINGAERD et al., 2009). Esse fato também inviabiliza o uso da citologia aspirada guiada por ultrassom como forma de diagnóstico, já que uma grande parte dos casos não tem alterações. Além disso, como as células do linfoma de baixo grau são pequenas e muito semelhantes aos linfócitos normais, é difícil determinar o diagnóstico com amostras pequenas obtidas por citologia.

Segmentos intestinais mais comprometidos por linfoma alimentar de baixo grau (EVANS et al., 2006; LINGARD et al., 2009)

Tabela 3 - Segmentos intestinais mais comprometidos por linfoma alimentar de baixo grau (EVANS et al., 2006; LINGARD et al., 2009)

Diferente de outras doenças linfoides do gato, não existe uma relação comprovada entre a infecção do vírus da leucemia felina (FeLV) com a ocorrência de linfoma de pequenas células(CARRERAS et al., 2003; FONDACARO et al., 1999).

Diagnóstico

Não existem alterações laboratoriais características de linfoma alimentar, mas sempre é recomendada a realização dos mesmos para avaliar a condição geral do animal e descartar outras doenças concomitantes.

Aumento da atividade de enzimas hepáticas e azotemia pré-renal são alterações comuns de se encontrar nos exames laboratoriais (FONDACARO et al., 1999). A diminuição de cobalamina sérica é uma alteração comum, ocorrendo em mais de 75% dos casos (KISELOW et al., 2008). Por isso a suplementação com cobalamina subcutânea é parte importante do tratamento e deve ser realizada, da mesma forma que é feita nos casos de DII.

As alterações ultrassonográficas são as principais alterações encontradas, com espessamento das alças intestinais, principalmente da camada muscular, assim como aumento de linfonodos abdominais que costumam estar hipoecogênicos (LINGARD et al., 2009).

A biópsia de fragmentos intestinais é o melhor exame para confirmar o diagnóstico e deve ser realizada em diferentes partes do intestino (coletando de 3 a 4 fragmentos por procedimento), já que é comum ter áreas somente com inflamação e outras regiões com o linfoma linfocítico (LINGARD et al., 2009).

Não existe um limite certo e preciso para diferenciar histopatologicamente o linfoma linfocítico da DII linficítica. Dependendo dos parâmetros e do patologista, a mesma amostra pode ter diagnósticos diferentes. Por isso a comunicação entre o clínico e o patologista auxilia muito nos casos mais duvidosos. As diferenças entre as duas doenças são poucas e um tanto subjetivas, como o predomínio de linfócitos maduros no linfoma e uma inflamação mais heterogênea na DII. Além disso, o linfoma pode afetar camadas mais profundas do intestino (como submucosa e muscular) e apresenta menos congestão de mucosa e edema se comparado com a DII (CARRERAS et al., 2003).

A imunohistoquímica também não auxilia muito na diferenciação entre as duas enfermidades. A maioria dos linfomas de pequenas células é do imunofenotipo T, que também é o mais comum de causar a DII.

Tratamento

O tratamento consiste no protocolo de Fondacaro, onde há associação de 2 drogas, uma cortisona e um quimioterápico (FONDACARO et al., 1999).

A cortisona de escolha é novamente a prednisolona, que é bem tolerada pelos felinos com raros efeitos colaterais, além de ter uma meia vida relativamente curta, o que gera maior segurança ao tratamento.

O quimioterápico de escolha é o clorambucil, um agente alquilante de ação lenta, que tem boa eficácia em tumores de divisão celular mais lenta, como no caso do linfoma de baixo grau. É uma droga com poucos efeitos colaterais que pode ser usada por longos períodos. Os principais efeitos colaterais são mielossupressão, neurotoxicidade e alterações gastrintestinais. Para evitar a mielossupressão é recomendado realizar exames de sangue a cada 2 ou 3 meses em todos os animais com terapia crônica de clorambucil. Os efeitos neurotóxicos e gastrintestinais são mais raros (esses últimos são difíceis de diferenciar se são pelo tratamento ou pela piora da doença).

A dose recomendada de prednisolona é de 5 a 10 mg/gato 1 vez por dia durante 30 dias e após a cada 48 horas. A dose de clorambucil descrita por Fondacaro é de 25 mg/m² a cada 3 semanas. Por ser uma doença de multiplicação e crescimento lentos, doses mais baixas e constantes parecem ser mais eficazes nesse caso, sendo recomendado atualmente o uso contínuo da medicação, usando a dose de 2 mg/gato a cada 48 horas (Tabela 4).

Medicamentos comumente usados no tratamento de linfoma alimentar de baixo grau.

Tabela 4 - Medicamentos comumente usados no tratamento de linfoma alimentar de baixo grau.

Enquanto a sobrevida média relatada para a dose a cada 3 semanas é de 17 meses (BENITAH et al., 2003), ela aumenta para 25 meses de média quando usado a dose contínua em dias alternados (KISELOW et al., 2008). O tratamento é mantido durante 12 meses, desde que não haja quaisquer sintomas da doença, como sintomas clínicos ou alterações ultrassonográficas. A grande maioria dos animais responde bem ao tratamento e muitos apresentam remissão clínica após a terapia.

Casos de recidiva do tumor durante ou após a terapia devem ser tratados com outros protocolos, como o uso de Lomustina oral ou mesmo protocolos utilizados em linfoma de alto grau.

Linfoma de alto grau

O linfoma de alto grau, também chamado de linfoma linfoblástico ou linfoma de grandes células, é uma forma menos comum e mais agressiva de linfoma alimentar. Essa neoplasia apresenta alto grau de divisão celular e crescimento mais rápido, manifestando uma menor resposta ao tratamento e também um pior prognóstico quando comparado ao linfoma linfocítico.

Características

Como em todas as neoplasias, é necessário ocorrer alterações cromossômicas para o seu desenvolvimento, gerando células que apresentam multiplicação contínua e descontrolada e inibição da apoptose (morte celular programada geneticamente). Esses tipos de alterações podem ser causadas pela infecção de retroviroses, como os vírus de leucemia felina (FeLV) e da imunodeficiência felina (FIV). Diferente do que ocorre com o linfoma de baixo grau há uma relação da infecção pelo FeLV e FIV com a ocorrência de linfoma de alto grau. Além disso, animais que são infectados pelo FIV têm pior prognóstico e pior resposta ao tratamento (RECHE JR et al., 2011).

Mesmo com a diminuição da infecção por retrovírus observadas nas últimas décadas, a incidência de linfoma tem aumentado, mostrando que, apesar das viroses poderem precipitar e piorar a condição da doença, muitos animais apresentam o linfoma sem estar associado aos retrovírus.

Metástases não são comuns em linfomas alimentares. São descritas em 1/3 dos casos de linfoma linfoblástico e normalmente em locais próximos, sendo o linfonodo mesentérico o local mais comum, seguido do fígado e baço e também os rins (MAHONY et al., 1995).

Diagnóstico

O principal exame para a suspeita de linfoma é novamente o ultrassom de abdome, onde se visualiza o espessamento das alças intestinais. É mais comum nesse tipo de linfoma ocorrer a perda da estratificação normal de camadas do intestino (Figura 6). Mas a perda de estratificação de camadas, apesar de mais comum em linfoma, não é diagnóstico para a doença, podendo ocorrer em outros tipos tumorais e também em algumas inflamações severas.

Exames de sangue podem apresentar alterações inespecíficas, como aumento da atividade de enzimas hepáticas, sinais de desidratação, azotemia pré-renal e anemia (por doença crônica). Hipercalcemia maligna é uma alteração rara no linfoma alimentar.

A citologia aspirativa de linfonodos guiada por ultrassom é mais eficaz e pode auxiliar no diagnóstico desse tipo de linfoma. Como as células costumam ser alteradas 9linfócitos grandes e imaturos - linfoblastos), é mais fácil para o patologista reconhecer a alteração somente com algumas células.

Ultrassom mostrando grande espessamento de alças intestinais (0,72 cm) com perda total da estratificação normal de camadas, causada por linfoma de lato grau. Foto arquivo pessoal Dra. Mariana Ferreira.

Figura 6 - Ultrassom mostrando grande espessamento de alças intestinais (0,72 cm) com perda total da estratificação normal de camadas, causada por linfoma de lato grau. Foto arquivo pessoal Dra. Mariana Ferreira.

Mesmo sendo o exame citológico mais preciso nesses casos, é um exame pouco utilizado. A principal forma de diagnóstico é a biópsia intestinal por laparotomia. Por ser uma doença difusa, a realização de enterectomia não traz vantagens e não deve ser realizada por ter maiores complicações e pós-operatório mais delicado, exceto em casos de obstrução intestinal pelo tumor.

Tratamento

Por ser uma forma mais agressiva de neoplasia, o linfoma de grandes células te muma resposta mais pobre ao tratamento e uma sobrevida diminuída. São necessárias mais drogas com maiores efeitos colaterais para controlar o quadro.

É difícil estimar a sobrevida desses gatos com o tratamento, pois ela é muito varipavel e não há bons indicadores de prognóstico. Além disso, a maioria dos trabalhos de sobrevida não diferencia os tipos de linfoma. Um estudo de 1998 obteve uma sobrefida média de 41 semanas com tratamento, tendo uma variação de 4 a 120 semanas (ZWAHLEN et al., 1998).

Apesar de não haver um parâmetro que funcione bem como indicador de prognóstico, a resposta à terapia se mostra como um bom meio de avaliar a sobrevida. A resposta ao tratamento não pode ser considerado um indicador de prognóstico, pois tecnicamente o prognóstico deveria ser feito antes de se recomendar a terapia. Na prática essa é uma das poucas informações que temos para poder informar o cliente sobre as expectativas esperadas. A recomendação é iniciar o tratamento e avaliar a resposta inicial, para poder decidir sobre continuidade do tratamento e prognóstico.

Existem diferentes protocolos descritos para o tratamento e sua escolha depende das drogas disponíveis, experiência do clínico, condição clínica e laboratorial do gato, disponibilidade do proprietário, temperamento do animal e custos envolvidos. A grande maioria dos protocolos recomendados associa alguns quimioterápicos, omo a vincristina e a ciclofosfamida, juntamente com o uso de prednisolona. Alguns trabalhos demonstram uma melhor sobrevida com o uso de L-asparaginase (droga atualmente não disponível) e doxorrubicina associado com outros quimioterápicos.

Um protocolo que costuma apresentar melhores resultados no tratamento é o COAP (Tabela 5), que é a associação de vincristina 0,5 a 0,7 mg/mg2 IV, ciclofosfamina 250mg/m2 IV ou VO dividido em 4 dias, doxorrubicina 1 mg/Kg IV e prednisolona VO. Há uma fase de indução onde são feitas aplicações semanais durante 4 semanas, intercalando as drigas (na primeira semana vincristina, na segunda ciclofosfamida, na terceira vincristina e na quarta doxorrubicina). Depois é feito 1 semana sem tratamento e esse ciclo de 4 semanas é repetido. Após inicia-se a fase de manutenção , onde a ordem e as doses das drogas são mantidas (vincristina, ciclofosfamida, vincristina e doxorrubicina), sendo feitas a cada quinze dias. A prednisolona é administrada na dose de 2 mg/Kg SID durante 8 semanas e depois feita a cada 48 horas. É necessário realizar hemograma antes de cada aplicação e fazer função renal antes das doxorrubicinas, por ser uma droga nefrotóxica nos gatos.

Protocolo de quimioterapia COAP adaptado, recomendado para linfoma alimentar de alto grau.

Tabela 3 - Protocolo de quimioterapia COAP adaptado, recomendado para linfoma alimentar de alto grau.

Outras alterações

Além das DII e linfomas, existem outras alterações intestinais que devem ser consideradas, principalmente em algumas regiões e algumas faixas etárias. Mas, de uma forma geral, são condições mais raras.

Outros tipos tumorais podem ocorrer em felinos. Depois dos linfomas, o carcinoma é o mais comum. Ele é mais agressivo que os linfomas, mas costuma ser mais localizado e tem o índica de metástases baixo. A realização de enterectomia é o tratamento recomendado e, apesar de não haver muitas evidências, o uso de quimioterapia pós-operatória com doxorrubicina a cada 3 semanas como droga única pode ser realizada. Os animais que sobrevivem ao período pós-operatório de 15 dias parecem ter uma sobrevida longa, com média de 15 meses (KOSOVSKY et al., 1988).

A terceira neoplasia que ocorre em gatos é o mastocitoma intestinal, que é uma manifestação rara de mastocitoma. Apesar de o mastocitoma cutâneo ser uma doença com características mais amenas no gato quando comparado ao cão, a forma intestinal é agressiva, tendo um prognóstico ruim e sobrevida curta. As metástases são comuns e no momento do diagnóstico a doença normalmente já está disseminada. O tratamento recomendado é a excisão do segmento intestinal afetado e o tratamento médico é feito com a associação de prednisolona e Lomustina oral.

A desbiose (antigo supercrescimento bacteriano intestinal) é outra condição intestinal dos felinos. Normalmente é uma alteração secundária, que ocorre por alterações de motilidade, por má absorção alimentar (como ocorre na DII e no linfoma alimentar) ou por insuficiência pancreática exócrina, condição rara nos gatos. O diagnóstico de desbiose é feito com dosagens séricas de folato e cobalamina, em que o folato deve estar aumentado (já que ele é produzido pelas bactérias intestinais) e a cobalamina diminuída (por ser consumido pelas bactérias). Na suspeita de desbiose, o tratamento é feito com antibióticos orais, como doxiciclina ou metronidazol, durante 3 semanas.

Além dessas condições, dependendo do estilo de vida e idade do paciente, há que se considerar as enterites infecciosas como causa dos sintomas. Entre os patógenos que afetam mais comumente o intestino delgado dos gatos temos o coronavírus, toxocara, ancilostoma, giardia, criptosporidium, salmonela etc. Outros patógenos, como parvovírus, trichuris e tritrichomonas, afetam mais comumente o intestino grosso.