Vetmedin: Revisão Técnica - Cardiologia

Empresa

Boehringer Ingelheim

Data de Publicação

16/05/2018

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Introdução

O sistema cardiovascular pode ser entendido como uma bolsa semidistensível (Fig. 1) mantida por uma bomba, o coração, cuja função é manter o débito cardíaco (DC) adequado.

DC é o volume de sangue bombeado pelo coração a cada minuto. Essa distensibilidade permite acomodar volumes diferentes de sangue, fi cando mais justo ou menos justo.

Quanto mais cheio estiver o sistema cardiovascular, mais sangue circula e retorna ao coração, elevando o retorno venoso (RV).

O incremento no RV, por sua vez, estira mais as fi bras cardíacas, aumentando a força de contração (mecanismo de Frank-Starling).

Quanto maior a contratilidade, mais sangue será ejetado e maior será a pressão arterial (PA), otimizando a perfusão tecidual.

Esse mecanismo é fundamental no ajuste hemodinâmico em uma eventual falha cardíaca na manutenção do DC, síndrome conhecida por insufi ciência cardíaca congestiva (ICC).

Existem duas maneiras de deixar o sistema cardiovascular mais justo: enchendo de volume (retenção renal de líquido pelo sistema renina-angiotensinaaldosterona - SRAA) ou diminuindo o seu tamanho, através da vasoconstrição1 (ativação simpática e SRAA).

Esses mecanismos representam a principal via pela qual o organismo tenta compensar a ICC.

Enquanto o coração conseguir aumentar seu estiramento pelo aumento do RV (nesse caso chamado de pré-carga), maior a força contrátil, normalizando o volume de sangue ejetado.

Entretanto, como o processo de ICC é progressivo, a contínua retenção de líquido e vasoconstrição levam à sobrecarga de volume e pressão ao coração que não mais responde com incremento da força de contração.

É como um elástico que, depois de excessivamente distendido, perde força de recuo.

Neste momento, a ICC passa a ser chamada de descompensada e o volume sanguíneo extra se acumula no leito vascular de menor pressão, as veias, podendo extravasar e ocasionar os quadros congestivos (pulmonar e/ou sistêmico).

Os mecanismos compensatórios ativados na ICC (Fig. 2) são os seguintes:

  • - ativação simpática:
    • • eleva a frequência cardíaca
    • • eleva a força de contração
    • • induz vasoconstrição periférica (aumento da resistência vascular)
    • • estimula a liberação de renina, que ativa o SRAA
  • - ativação do SRAA:
    • • vasoconstrição periférica
    • • retenção de sódio e água
    • • estimula a liberação da aldosterona pela córtex da adrenal (causando mais vasoconstrição periférica e retenção renal de sódio e água)
    • • estimula a liberação do hormônio antidiurético (ADH), que aumenta a reabsorção renal de água (elevando a volemia)
  • - peptídeo natriurético atrial (PNA) - liberado pelas paredes atriais:
    • • estimula os rins a aumentarem a diurese para reduzir o estiramento das paredes cardíacas
  • - mediadores inflamatórios - levam à síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS):
    • • maior prejuízo da função cardíaca e endotélio vascular pelo aumento na produção de radicais livres e estresse oxidativo. Em 2012, Cunningham e colaboradores demonstraram a presença de inflamação sistêmica e disfunção endotelial em cães com ICC causada por endocardiose da valva mitral
  • - remodelamento cardíaco e vascular:
    • • a volemia aumentada obriga o coração a se distender mais, causando hipertrofia excêntrica (aumento das cavidades do coração)
    • • PA aumentada obriga o coração a se contrair com mais força, levando à hipertrofia concêntrica (aumento das paredes ventriculares)
    • • acúmulo de colágeno no miocárdio e paredes dos vasos, levando à fibrose e perda de complacência (cardíaca e vascular)

Dados Epidemiológicos

A cada 10 cães cardiopatas, entre 7 e 8 apresentam a doença valvar crônica (DVC), também conhecida como endocardiose ou degeneração mixomatosa.

Essa afecção é mais comum em cães com até 20 kg, podendo eventualmente acometer raças grandes.

No entanto, quando cães maiores desenvolvem a doença, a progressão é mais rápida. Os cães pequenos muitas vezes passam por longos períodos até cursarem com descompensação e aparecimento de sintomas.

Considerando os gêneros, é mais comum em machos (60% dos casos) do que nas fêmeas (40% dos casos).

Raças maiores têm propensão a doenças cardíacas do miocárdio, entre as quais a cardiomiopatia dilatada (CMD) é de maior ocorrência, mas não a única.

Há ainda algumas doenças mais específicas, como a cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito, comum em cães da raça boxer, por exemplo.

Segundo as estatísticas norte-americanas, 1 em cada 10 pacientes atendidos na clínica de pequenos animais apresenta alguma afecção do sistema cardiovascular.

Doença Valvar

A função da valva atrioventricular é impedir o refluxo de sangue para o átrio durante a contração do ventrículo (sístole ventricular).

Quando a valva se torna incompetente, o sangue reflui do ventrículo para o átrio, aumentando a pressão atrial e difi cultando o escoamento sanguíneo dos pulmões para o átrio esquerdo ou da circulação sistêmica para o átrio direito.

A causa da doença valvar crônica ainda é desconhecida, mas a teoria mais aceita é que se inicie com o afrouxamento das cordas tendíneas, causando prolapso valvar para o interior do átrio e injúria tecidual das pontas dos folhetos valvares.

Essa injúria seria determinante no desalinhamento da matriz extracelular com depósito de glicosaminoglicanos e retração dos folhetos (Fig. 3).

A partir daí, a redução ou falta de coaptação dos folhetos leva a refluxo sanguíneo para o interior do átrio durante a sístole ventricular com consequente redução do DC.

Diagnóstico

O diagnóstico da DVC inclui a auscultação de sopro sistólico (entre a 1ª- e 2ª- bulhas cardíacas), no foco mitral e/ou tricuspídeo.

O foco mitral se localiza entre o 4º- e 5º- espaços intercostais do hemitórax esquerdo, próximo à articulação costocondral e o tricuspídeo no 4º- espaço intercostal do hemitórax direito, próximo à articulação costocondral.

Usualmente, o sopro mitral é mais intenso que o tricuspídeo, pois a pressão gerada pelo ventrículo esquerdo na sístole é maior que a do ventrículo direito, gerando maior pressão de refluxo.

Quando o sopro tricuspídeo é mais intenso que o da mitral, isso é um indicativo de que o ventrículo direito está precisando gerar maior pressão sistólica, o que ocorre na hipertensão pulmonar.

Os exames de imagem e laboratoriais tornaram-se imprescindíveis para classifi car e tratar o paciente com DVC:

- ecodopplercardiograma - avalia a função e morfologia cardíacas, além de classificar a insufi ciência das valvas mitral e tricúspide pelo volume regurgitante.

Também é possível estimar as pressões ventriculares e pulmonar, fatores de extrema importância na estratégia terapêutica e no prognóstico.

- radiografia de tórax - importante para investigar campos pulmonares, já que o aumento do coração pode causar deslocamento da traqueia e redução da luz bronquial, além de alterações pulmonares.

- aferição da PA - deve ser realizada em todos os pacientes com DVC pois são propensos à hipertensão arterial sistêmica pela ativação dos mecanismos compensatórios. Além disso, muitas medicações usadas para o tratamento da DVC interferem na pressão arterial.

- exames laboratoriais - fundamentais para averiguação de hematócrito, proteínas totais, creatinina plasmática e eletrólitos, além de urinálise com a relação proteína-creatinina urinárias.

- biomarcadores - NTproBNP aumenta na corrente circulatória em pacientes com ICC, pois é liberado pelas paredes do coração decorrente do maior estiramento provocado pela retenção de líquido.

Também tem apoio prognóstico, uma vez que sua concentra- ção plasmática aumenta proporcionalmente à piora da ICC.

Classificação

O consenso do ACVIM (American College of Veterinary Internal Medicine) propôs em 2009 uma classificação para a DVC (descrita abaixo), em função da grande ocorrência epidemiológica dessa doença.

Assim, torna-se mais fácil decidir sobre condutas terapêuticas e prognósticas a partir de um estadiamento mais específico.

No entanto, é importante salientar que essa classificação é diferente daquela descrita para a ICC pela International Small Animal Cardiac Health Council (ISACHC), que usa critérios de sintomatologia da ICC independente da cardiopatia de base.

Classificação da DVC segundo o ACVIM

  • • Estágio A - Pacientes sem a doença, cuja raça é predisposta a DVC (ex. Cavalier King Charles Spaniel).
  • • Estágio B - DVC já presente, mas o paciente é assintomático, portanto, está no período pré-clínico. É subdividido em:
    • • B1 - assintomático SEM cardiomegalia (detectada na radiografia torácica ou no ecocardiograma)
    • • B2 - assintomático COM cardiomegalia (detectada na radiografia torácica ou no ecocardiograma)
  • • Estágio C - DVC com sintomas presentes (tosse, intolerância ao exercício, síncope, cianose, dispneia)
  • • Estágio D - DVC refratária ao tratamento convencional – importante diferenciar o paciente que pode receber tratamento doméstico daquele que necessita de internação

A grande discussão seria sobre o momento correto em se iniciar a terapia, uma vez que se trata de uma doença crônica, progressiva e incurável.

É preciso levar em conta que os sinais clínicos aparecem à medida em que os mecanismos compensatórios passam a ser deletérios, razão pela qual a estratégia farmacológica inclui inibir parte desses mecanismos.

Neste tratado, verificou-se que o consenso era tratar pacientes na classe C, onde os sintomas já estão presentes.

Porém, pacientes na classe B2 ainda se apresentavam num limbo científico, já que os trabalhos discordavam entre si a respeito das vantagens na instituição terapêutica: prorrogação do aparecimento de sintomas ou aumento da sobrevida.

Por essa razão, a decisão de alguns cardiologistas em tratar pacientes B2 era fruto da experiência pessoal – mas estava longe de ser consenso, já que nenhum estudo apresentava evidências de vantagens com nenhum fármaco.

Nesse cenário, investigações científicas com fármacos como o pimobendan estão mudando a maneira de manejar esse quadro.

Objetivos do Tratamento da Icc

O bom funcionamento do sistema cardiovascular depende de três variáveis:

  • • volemia (na prática clínica chamada de pré-carga)
  • • resistência vascular (chamada de pós-carga)
  • • contratilidade miocárdica

Na eventual falha do sistema, o organismo ativa mecanismos para incrementar essas variáveis, o que nos estágios finais acaba sendo mais deletério do que benéfico.

No caso específico da ICC causada pela DVC, é preciso ressaltar que, conforme exposto anteriormente, o volume de sangue que regurgita pode ser maior que o volume que vai para a aorta, já que a pressão na aorta é maior que no átrio esquerdo.

Portanto, a estratégia é aumentar o volume para a aorta e reduzir o volume regurgitado, o que é possível mediante aumento do inotropismo cardíaco, com redução concomitante da resistência vascular sistêmica (Fig. 4).

Por essa razão, as estratégias terapêuticas da ICC incluem:

• diuréticos (furosemida é a droga de primeira escolha por ser mais potente) para reduzir a volemia, RV e pré-carga, já que o coração não mais responde com maior contratilidade.

• vasodilatadores (bloqueadores de cálcio como a anlodipina) são funcionais para reduzir a PA em pacientes hipertensos.

• moduladores neuroendócrinos os IECA são importantes pois bloqueiam o SRAA, reduzindo a retenção hídrica e a vasoconstrição; a espironolactona também é fundamental por bloquear a aldosterona que induz fibrose miocárdica; betabloqueadores podem ser interessantes em algumas situações em que o sistema nervoso simpático está hiperativo.

• inotrópicos (aumentam a contratilidade miocárdica) – os digitálicos ainda são prescritos, embora com risco de intoxicação em diversos níveis. Já o Pimobendan vem mudando o cenário da cardiologia veterinária conforme descrito adiante.

A classificação da DVC pela ACVIM ajuda a estabelecer uma proposta terapêutica para pacientes com ICC pela endocardiose. Entretanto, é fundamental uma avaliação individual criteriosa.

  • - Classe A:
    • • nenhum tratamento é indicado
  • - Classe B1:
    • • não há indicação para tratamento farmacológico;
    • • reavaliações semestrais ou anuais
  • - Classe B2:
    • • Pimobendan (0,1-0,3 mg/kg a cada 12h)1
    • • reavaliações semestrais ou anuais
  • - Classe C:
    • • Manutenção do Pimobedan (0,1-03 mg/kg, a cada 12h)
    • • Furosemida: 1-2 mg/kg 12/12h a 4-6 mg/kg a 8/8h dependendo dos sinais clínicos – manter na menor dose possível que controle os sinais de congestão
    • • IECA: Enalapril 0,25-0,5 mg/kg a cada 12h ou Benazepril 0,25-0,5 mg/kg a cada 12h ou 24h
    • • Espironolactona: 1-2 mg/kg a 12/12h ou 24/24h com o propósito de antagonismo à aldosterona e consequentemente à fibrose miocárdica – e não para efeitos diuréticos
    • • Ômega 3: 0,25-0,5 mg/kg a 24/24h – auxiliam na redução do estresse oxidativo com consequente redução da inflamação sistêmica causada pela ICC
    • • Bloqueadores de cálcio como o besilato de anlodipina podem ser úteis quando a pressão arterial sistólica estiver ≥160 mmHg ou quando houver tosse refratária
    • • na presença de arritmias cardíacas, deve ser instituído tratamento antiarrítmico adequado
    • • reavaliações semestrais
  • - Classe D:
    • • Manutenção dos fármacos anteriores (Classe C)
    • • Furosemida: aumento da dose e/ou frequência de administração avaliando-se necessidade clínica a partir dos sintomas e função renal
    • • Hidroclorotiazida: pode ser incluída se houver redução da diurese mesmo com doses altas de furosemida, com especial atenção à dosagem eletrolítica, uma vez que a associação de diuréticos aumenta o risco de desequilíbrio de eletrólitos. O esquema de prescrição pode variar de dias alternados a 24/24h, 12/12h ou 8/8h na dose de 1-2 mg/kg, dependendo da necessidade clínica

A descompensação aguda da ICC pela DVC reconhecida pela presença de edema pulmonar e/ou efusões requer internação imediata para tratamento em ambiente hospitalar com oxigenoterapia, drenagem de efusões e outras abordagens que se fizerem necessárias.

Observação: alguns estudos não publicados apontam para evidências de que o uso do Pimobendan sem o IECA pode trazer mais benefício para o paciente nessa classifi cação. No entanto, recomenda-se aguardar o término dos estudos com a publicação dos mesmos.

Efeitos do Pimobendan

O Pimobendan é um fármaco inodilatador, que promove incremento na força de contração cardíaca e vasodilatação mista (arterial e venosa).

Esses efeitos combinados aumentam o DC, já que além da maior contratilidade, a dilatação arterial facilita a ejeção de maior volume de sangue e a dilatação venosa reduz a pressão sanguínea ao encher o coração.

Por essas razões, ficou evidenciado no estudo de Suzuki e colaboradores, em 2011, que o uso do Pimobendan reduz a pressão no átrio esquerdo, diminuindo o risco de edema agudo de pulmão em cães com DVC de mitral.

Essa redução ocorreu de forma dose-dependente, embora o estudo não tenha avaliado os efeitos adversos de doses altas da medicação (Fig. 5).

Há também outros efeitos extremamente importantes do Pimobendan:

1) Diminuição na produção dos mediadores inflamatórios como as interleucinas 1 e 6 e o fator de necrose tumoral.

Ao reduzir a liberação de mediadores infl amatórios, o Pimobendan diminui os efeitos deletérios da SRIS, como a disfunção endotelial (desequilíbrio entre as substâncias liberadas pelo endotélio vascular, como endotelinas e óxido nítrico, que ajudam no controle da PA) e disfunção miocárdica (prejuízo na contratilidade).

2) Redução na síntese de catecolaminas (adrenalina e noradrenalina). A liberação aumentada de catecolaminas na ICC leva à diminuição dos seus efeitos ao longo do tempo.

Ao diminuir sua liberação, o Pimobendan modula o sistema nervoso autônomo, um efeito cardioprotetor importante, ao manter as respostas simpáticas adequadas por tempo mais prolongado.

3) Diminuição na síntese de tromboxano A2 e na agregação plaquetária, reduzindo o risco de tromboembolismo. O cardiopata, via de regra, tem maior risco de tromboembolismo, efeito que pode ser reduzido pelo uso do Pimobendan.

4) Efeitos insulinotrópicos via aumento na sensibilização do cálcio das células betapancreáticas – embora esse efeito ainda não tenha sido avaliado em cães, há indícios de que o Pimobendan aumente a liberação de insulina, evitando aumento de glicemia.

Vale lembrar que o mecanismo para aumentar a contratilidade cardíaca ocorre por duas vias: a primeira é a sensibilização do cálcio à troponina C, o que aumenta a interação entre os filamentos de actina e miosina, e a segunda é pelo aumento da concentração intracelular de cálcio, que acontece com o uso dos digitálicos, sendo a principal razão do risco de intoxicação e arritmias cardíacas com essas drogas.

O segundo mecanismo é pela inibição da fosfodiesterase III (PDE III), que culmina com aumento do monofosfato cíclico de adenosina (AMPc).

Esse efeito, associado à maior concentração de monofosfato cíclico de guanosina (GMPc) também responde pela redução na oferta de cálcio no músculo liso vascular, levando à vasodilatação.

De fato, grandes estudos com o Pimobendan têm mostrado resultados interessantes em grupos tratados com esse fármaco, em termos de sobrevida e qualidade de vida.

Um estudo prospectivo randomizado e cego, publicado em 2008, em cães com DVC de mitral, comparou o tratamento convencional com IECA a outro grupo tratado com Pimobendan e concluiu que este último teve sobrevida significativamente maior (Fig. 6).

No ano seguinte, um outro estudo em cães com hipertensão pulmonar (HP) secundária a DVC de mitral mostrou redução nos índices ecocardiográficos da HP nos animais tratados com Pimobendan, além da melhora nos índices de qualidade de vida e redução nos níveis plasmáticos de NT-proBNP, um conhecido marcador de ICC.

Seguindo com a investigação científica, em 2013 foi publicado outro trabalho em cães com DVC de mitral que mostrou que o tratamento com Pimobendan prorrogou o tempo da intensificação dos sinais clínicos da ICC (Fig. 7).

Em outras palavras, o grupo tratado com Pimobendan se manteve estável clinicamente, sem precisar aumentar doses diuréticas e/ou acrescentar novas medicações.

Além disso, o grupo tratado com Pimobendan apresentou menor retenção hídrica, menor área cardíaca e temperatura corporal mais alta, compatível com melhor perfusão periférica.

Entretanto, o divisor de águas foi o estudo EPIC que avaliou cães com DVC de mitral com sopro sistólico grau III/VI ou superior e aumento das câmaras esquerdas evidenciadas pelo ecocardiograma, porém assintomáticos (classificação B2).

Este trabalho foi publicado recentemente e mostrou que o tratamento neste estadiamento é capaz de prorrogar a fase pré-clínica por um período médio de 15 meses (Fig. 8).

Esta observação responde à maior controvérsia relacionada à DVC, onde se especulava o momento ideal de iniciar o manejo terapêutico.

Estudos anteriores discordavam em demonstrar benefício em se tratar pacientes com DVC assintomáticos, por exemplo, com IECA.

Por esta razão, conforme comentado anteriormente, iniciar o tratamento no estadiamento B2 era mais uma questão de experiência pessoal, ainda que com o racional teórico bem desenhado do que propriamente uma evidência científica.

Por isso, esse trabalho vem ganhando imenso destaque nos meios acadêmicos de maior prestígio, já que foi o primeiro a evidenciar o momento ideal para o início do tratamento.

No entanto, é necessário enfatizar que o EPIC testou pacientes com DVC de mitral COM cardiomegalia. Portanto, a partir de agora, fica evidenciado que usar Pimobendan nesses animais prorroga o aparecimento de sintomas.

Para pacientes na classe B1, entretanto, ainda não há evidência de que o tratamento seja benéfico.

Da mesma forma que na DVC, tratar a fase pré-clínica de cães com cardiomiopatia dilatada (CMD) também prorroga o aparecimento de sintomas e aumenta a sobrevida, segundo Summerfield e colaboradores.

Nesse trabalho, Dobermann Pinschers assintomáticos com CMD tratados com Pimobendan levaram em média 718 dias para o evento primário (aparecimento dos sintomas ou morte súbita), enquanto nos pacientes sem o Pimobendan, esse tempo médio foi de 441 dias.

Em termos de sobrevida média, o grupo Pimobendan foi de 623 dias contra 446 dias do outro grupo. O’Grady e colaboradores tinham encontrado resultado semelhante em 2008, também com Dobermann Pinschers, com a diferença de ter iniciado o tratamento com Pimobendan em cães já com sinais clínicos de ICC.

Em se tratando de emergência, Mizuno e colaboradores demonstraram recentemente que cães com edema pulmonar causado pela IC congestiva em função da DVC, tratados com Pimobendan, tiveram aumento significativo de sobrevida, comparativamente aos que foram tratados sem o Pimobendan (334 dias x 136 dias).

O racional teórico para tanto foi amplamente exposto: aumento do inotropismo, redução da pressão atrial, redução da pressão capilar pulmonar e diminuição da liberação de citocinas pró-inflamatórias.

Conclusão

O Pimobendan é um fármaco que vem mudando o cenário da cardiologia veterinária, mostrando não só a sua efi cácia na melhora da qualidade de vida, mas também no aumento da sobrevida em pacientes com ICC.

No caso específico da DVC, os estudos são também contundentes em mostrar benefício do tratamento já na classe B2, onde os pacientes ainda não apresentam sintomas, mas têm cardiomegalia evidenciada nos exames de imagem.

Autor

Dr. Kaleizu Rosa

Médico-Veterinário pela Universidade Federal de Uberlândia, Mestre em Fisiologia Cardiovascular pela Faculdade de Medicina da USP, Doutor em Ciências (área de concentração em Cardiologia) pelo Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da USP.

Resumo

Vetmedin® é indicado para pacientes cardiopatas com endocardiose de mitral a partir do estágio B2 (pacientes assintomáticos com cardiomegalia comprovada pelo ecocardiograma, seguindo critérios do estudo EPIC) e em cardiomiopatia dilatada dos Dobermanns.