Tratamento nutricional da DRC em cães e gatos
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Hill´s Pet Nutrition em parceria com Prof. Aulus Carciofi, M.V Stephanie Theodoro e M.V Suellen Ferreira.
A doença renal crônica (DRC) em cães e gatos é enfermidade caracterizada pela presença de anormalidade funcional ou estrutural em um ou ambos os rins há pelo menos três meses. O estadiamento da doença deve ser realizado após o diagnóstico de DRC, sugerindo-se para isto os critérios da IRIS (International Renal Interest Society. http://www.iris-kidney.com/). A monitoração seriada do paciente é imprescindível e o tratamento deve ser realizado de forma individual, de acordo com o estadiamento da doença e adaptado conforme a resposta do animal.
O objetivo do tratamento do paciente DRC é:
- 1) controlar os sinais clínicos de uremia;
- 2) controlar o hiperparatireoidismo renal secundário;
- 3) minimizar os distúrbios associado ao desequilíbrio hidroeletrolítico e ácido-básico;
- 4) proporcionar nutrição adequada para que o animal mantenha condição corporal e saúde;
- 5) reduzir quanto possível a progressão da DRC.
Ao se estabelecer o suporte alimentar para cães e gatos com DRC, é importante se considerar os principais fatores nutricionais do alimento. Os intervalos de nutrientes recomendados foram estabelecidos com base em teores avaliados em cães e gatos com DRC de ocorrência natural e experimentalmente induzida.
Água
Em pacientes com DRC estágio I (de acordo com IRIS) já é possível se observar redução da capacidade de concentração da urina e osmolalidade máxima próxima à do plasma (300 mOsm/kg). Em casos de doença mais adiantada ocorre diminuição da osmolalidade máxima, com maior perda obrigatória de água para eliminar a carga osmolar. Esta perda de água obrigatória pode levar ao desenvolvimento de poliúria e, em consequência, ocorre polidipsia compensatória para manter o equilíbrio de fluidos.
Desidratação, depleção de volume, hipoperfusão renal e ingestão de sal na dieta (sódio) podem aumentar a concentração urinaria. Pacientes com DRC devem ter acesso ilimitado à água fresca e limpa. Os alimentos úmidos são preferíveis, pois seu consumo geralmente resulta em maior consumo total de água (especialmente em gatos).
Energia
É necessário garantir ingestão de energia suficiente para evitar o catabolismo proteico endógeno, resultante da perda de peso, pois este levará a desnutrição, depleção muscular e exacerbação da azotemia. A prevenção da desnutrição é crucial no manejo da doença renal. A necessidade energética de manutenção é um bom ponto de partida para se estimar a quantidade de calorias necessárias por dia, sendo para cães utiliza-se a fórmula 90 a 110 x (peso corporal) e para gatos 100 x (peso corporal).
O profissional deve estar habilitado e intervir nutricionalmente, com a aplicação de sondas de alimentação naso-esofágicas (ou mesmo esofágicas) nos pacientes hiporéticos ou anoréticos, sendo este procedimento crítico à qualidade de vida e longevidade de muitos pacientes.
Fósforo
A diminuição da ingestão de fósforo de pacientes com DRC é indicada para limitar a retenção de fósforo, a hiperfosfatemia, o hiperparatiroidismo secundário renal e a progressão da doença renal. Efeitos benéficos relacionados à redução da ingestão de fósforos incluem redução no acúmulo de cálcio nos rins, supressão do hiperparatireoidismo e alteração da hemodinâmica renal.
De todas as intervenções alimentares do paciente com DRC, a restrição de fósforo é a única que comprovadamente resulta em aumento da longevidade e qualidade de vida. Desta forma, o teor de fósforo deverá ser o principal e mais importante critério a ser empregado na seleção do alimento para o paciente. Os teores de fósforo recomendados para os alimentos utilizados no manejo da DRC são: cães – entre 0,2 a 0,5% da matéria seca; gatos – entre 0,3 a 0,6% da matéria seca.
Quando apenas o fornecimento de alimento com baixo fósforo não for suficiente, recomenda-se o emprego de quelantes de fósforo sendo o hidróxido de alumínio o mais indicado (30-60 mg/kg/dia VO - em doses divididas para serem misturadas com cada refeição).
Proteína
Como um dos objetivos do manejo é alcançar equilíbrio de nitrogênio e limitar o acúmulo de resíduos nitrogenados, deve-se diminuir proporcionalmente a ingestão de proteínas à medida que a função renal diminui. A diminuição da ingestão de proteínas reduz potencialmente a hiperfunção tubular, o que vai diminuir a carga de ácido renal e a amoniogênese renal. Em geral, o metabolismo de proteínas é a principal fonte de íons de hidrogênio.
Consequentemente, evitar o excesso de proteína na dieta e diminuir o catabolismo proteico endógeno contribui para a manutenção do equilíbrio ácido-base. Quanto o DRC tolera de proteína no alimento pode ser bastante individual, assim esta deve decrescer conforme recomendações por estadiamento da IRIS, e deve ser acompanhada de perto pelo Médico Veterinário.
Outro benefício potencial de limitar a proteína é o seu efeito na proteinúria. A proteinúria é fator de risco independente significativo para a redução da sobrevida em gatos e cães com DRC.
Sódio
À medida que a função renal se deteriora, a excreção fracionada de sódio aumenta para manter o equilíbrio de sódio e preservar o volume de líquido extracelular. Pacientes com função renal diminuída podem apenas variar a excreção de sódio em um intervalo limitado, o que diminui progressivamente à medida que a TFG diminui. Assim, pacientes com DRC podem não tolerar teores muito elevados ou muito baixos de sódio na dieta. Deve-se atentar, deste modo, que dietas não suplementadas em sódio podem também ser inconvenientes para estes animais.
O excesso de sódio pode ser diretamente nefrotóxico e controlar sua ingestão pode ser benéfico na DRC, independentemente do seu efeito sobre a pressão arterial. Mecanismos potenciais para os efeitos negativos do excesso de sódio em pacientes com DRC incluem: 1) aumento da expressão de TGF-β nas células endoteliais renais, o que pode levar à fibrose renal, 2) aumento do estresse oxidativo e 3) aumento da proteinúria.
Potássio
A diminuição do consumo de alimentos devido à inapetência ou vômito e o aumento das perdas urinárias por conta da poliúria podem contribuir para a hipocalemia, em especial na espécie felina. A depleção de potássio leva a alterações funcionais e morfológicas nos rins de cães e gatos. As alterações funcionais incluem redução da TFG e da capacidade de concentração da urina. A depleção crônica de potássio estimula a síntese de amônia renal.
Os teores de potássio recomendados estão entre 0,5% a 0,8% na matéria seca para cães e 0,7% a 1,2% na matéria seca para gatos. Para gatos com hipocalemia, a suplementação oral com gluconato de potássio deve ser considerada se a dieta sozinha não mantiver concentração sérica de potássio acima de 4,0 mEq/L. Alguns pacientes, no entanto, podem apresentar hipercalemia, de modo que suplementação indiscriminada ou dieta com teores desnecessariamente elevados de potássio não deve ser implementada.
Ácidos Graxos
O conteúdo específico de ácidos graxos poliinsaturados de um alimento pode influenciar a progressão da DRC, afetando a hemodinâmica renal, agregação plaquetária, peroxidação lipídica, pressão arterial sistêmica e a proliferação de células mesangiais glomerulares. Os ácidos graxos eicosapentaenóico (EPA) e docosahexaenóico (DHA), quando presentes nos alimentos competem com o ácido araquidônico alterando a produção de eicosanóides e gerando compostos menos quimiotáxicos, menos pró-inflamatórios e com menor ação vasoconstritora, alterações consideradas renoprotetoras.
É importante ser específico nesta questão, não é relevante o teor de ômega 3 total do alimento, pois o ácido linolênico dos vegetais, apesar de ser da família ômega 3 não tem efeito importante em carnívoros como cães e gatos, destacando-se o efeito dos ácidos graxos EPA e DHA. Os teores recomendados da soma de EPA mais DHA na dieta são amplos. Na dieta a relação ácido graxo ômega-6:ômega-3 pode variar de 1:1 a 7:1.
Vitamina E
A suplementação de ácidos graxos EPA e DHA na dieta, em combinação com antioxidantes pode reduzir ainda mais o dano oxidativo renal. O dano oxidativo é componente na progressão da lesão renal. O estresse oxidativo ocorre quando a produção de espécies reativas de oxigênio excede a capacidade antioxidante orgânica, ocorrendo lesões a ácidos graxos poli-insaturados e proteínas, danificando células e tecidos.
Vitaminas do Complexo B
Apresentam ampla função metabólica no metabolismo de carboidratos, proteínas, gorduras e energia. A anorexia associada à poliúria torna cães e gatos com DRC susceptíveis à deficiência destes nutrientes. Assim sua suplementação é indicada, devendo estar na dieta em concentrações 2 a 3 vezes superior à de animais saudáveis. Suplementação via oral ou parenteral é também indicada, sugerindo-se para isto adotar-se como base as recomendações do FEDIAF (na tabela VII-11: Teores recomendados com base no peso metabólico dos animais).
Manejo Alimentar
A eficácia do tratamento nutricional é dependente do fornecimento do alimento de forma consistente e exclusiva. Acredita-se que cães e gatos com DRC sofrem alteração nos sentidos do paladar e do olfato; e ainda, apresentam forte probabilidade de desenvolver aversão alimentar, que surge quando eventos adversos, como hospitalização, náusea, vômitos e coleta de sangue, estão associados à alimentação.
Desse modo, recomenda-se não instituir mudanças na dieta enquanto os pacientes estiverem hospitalizados ou em crise urêmica. Pelo contrário, a dieta de suporte renal deve ser instituída no ambiente doméstico e confortável, quando o paciente se apresentar controlado e normorético.
Medidas práticas para melhorar a aceitação dos alimentos incluem o uso de alimentos altamente palatáveis, o aquecimento dos alimentos e a estímulo pelo reforço positivo. Estimulantes de apetite podem ser criteriosamente administrados; entretanto, quando a ingestão diária de energia não for atingida por consumo voluntário, a melhor terapia recomendada é a colocação de sondas de alimentação enteral.
Esta é bastante efetiva em propiciar fornecimento adequado de calorias, com alimento de composição adequada, e mesmo aumentar o aporte de fluidos ao paciente. O suporte nutricional com sondas deve ser instituído toda vez que ocorrer perda de 10 a 15% do peso corporal, associada a redução do escore de condição corporal ou muscular e quando o histórico alimentar indicar ingestão insuficiente de alimentos.
Aqui destaca-se, também, a necessidade do profissional calcular a necessidade de calorias do paciente, estabelecer a quantidade em gramas de alimento necessária e o tutor medir e acompanhar o consumo, informando ao médico veterinário caso este seja abaixo do esperado.
Resumo
O tratamento alimentar deve ser realizado de forma individual e adaptado conforme resposta do animal.
Os pacientes podem ser mais propensos a aceitar um novo alimento se ele for oferecido antes que os sinais clínicos de uremia ocorram e, assim, a dieta pode mais facilmente colaborar para retardar a progressão da DRC.
Se o paciente com DRC se mantiver em hiporexia há pelo menos 5 dias e anorexia há 2 dias, recomenda-se a colocação de sonda de alimentação enteral.