Pontos chaves na abordagem do vômito crônico em gatos
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Introdução
O vômito representa uma queixa relativamente comum na clínica de felinos, mas não é um diagnóstico em si e as tentativas de tratamento apenas sintomático podem ser frustrantes e atrasar o manejo específico.
O vômito pode ser definido como a ejeção de parte ou todo o conteúdo do estômago e/ou intestino proximal pela cavidade oral, numa série de movimentos espasmódicos involuntários1. É um reflexo mediado pelo Sistema Nervoso Central (SNC), cujos estímulos são recebidos pelo Centro do Vômito (CV), localizado no tronco cerebral. Esses estímulos podem se originar em diversas partes do organismo e chegam ao CV pelas vias humorais (substâncias presentes no sangue) ou vias neurais, ativadas de diversas maneiras (desordens do SNC, detectados por receptores sensíveis a distensão, estímulos químicos ou osmóticos e dor)1-2. (Figura 1).
A zona gatilho quimiorreceptora (ZGQ) também pode estimular o CV. A sua localização na área postrema, no assoalho do quarto ventrículo cerebral, onde a barreira hematoencefálica é limitada, permite sua exposição a fármacos, toxinas endógenas e exógenas e alterações ácido-base. O vômito relacionado a estimulação vestibular também ocorre mediado pela ZGQ2.

Figura 1: Principais vias de estimulação do Centro do Vômito (Fonte: adaptado de Baral, 2012).
O conhecimento da fisiologia do CV e da ZGQ auxilia muito na escolha do melhor controle farmacológico para os episódios de vômito2. Vômitos ocasionais são comuns em gatos saudáveis, portanto, na maioria das vezes, uma extensa abordagem diagnóstica não é necessária4.
Geralmente a definição da causa do vômito agudo é bem simples e direta. Na maioria das vezes está associada a indiscrições alimentares, doenças infecciosas ou parasitárias, corpos estranhos e bolas de pelos em gatos jovens. O vômito é definido como crônico quando tem a duração de 3 meses ou mais3.
A ocorrência de vômitos, porém, deve ser considerada sinal de doença e, portanto, investigada quando: ocorre com frequência maior que duas vezes ao mês, se a frequência está aumentando e o gato está perdendo peso4.
Causas
As causas de vômito crônico são bastante variadas e, considerando que não é normal um gato vomitar com frequência, a busca do diagnóstico preciso deve ser o objetivo do clínico. (Quadro 1).

Quadro 1: (Fonte: modificado de Crystal & Levine, 2011).
Tutores e veterinários ficam sempre na dúvida se é considerado normal que o gato vomite bolas de pelos com frequência. Sabe-se que 10% dos gatos completamente saudáveis vomitam bolas de pelos, o que não é nada surpreendente visto que cerca de 20-25% do tempo acordados eles passam se lambendo. Portanto, a ingestão de pelos é constante e alguns gatos ainda lambem uns aos outros como mecanismo de interação social, aumentando ainda mais a quantidade de pelos ingeridos5.
Se a frequência de vômitos com pelos está aumentando, devemos considerar duas situações: o gato está se lambendo mais (consequentemente ingerindo mais pelos) ou a motilidade do trato digestório está diminuída, dificultando a passagem dos pelos. Na primeira hipótese, devemos investigar desordens dermatológicas, como prurido ou lambedura relacionada à ansiedade (de origem psicogênica). Na segunda hipótese, devemos investigar se há alguma inflamação crônica do trato digestório (gastrites e/ou enterites) causando distúrbios de motilidade e atraso na eliminação dos pelos ingeridos.
Abordagem Diagnóstica
Antes de iniciar a avaliação diagnóstica e o manejo terapêutico do gato vomitando, deve-se fazer a diferenciação com a regurgitação. Esta ocorre com menos frequência e se caracteriza por expulsão retrógada e passiva de alimento a partir do esôfago, caracterizando uma alteração local, não sendo observados os eventos prodrômicos do vômito, como a náusea, ptialismo, ânsia, depressão, inquietação e até vocalização e nem contrações abdominais potentes.
A anamnese dietética é bastante importante na tentativa de determinar a causa do vômito, devendo incluir não somente a descrição detalhada do que o animal come, mas também como e onde esse alimento é adquirido e armazenado, a possibilidade de ingestão de toxinas ou corpos estranhos, alterações recentes na quantidade ou qualidade da dieta e a possibilidade de o gato de vida livre ingerir substâncias ignoradas pelo tutor.
A descrição da aparência do vômito também é importante para determinar se há a possibilidade de úlcera (presença de sangue), corpo estranho, alimento não digerido, e pelos (Figura 2).

Figura 2: Vômito de gato contendo restos de grama recém ingeridos e uma “bola” de pelos.
Considerando a variedade de causas relacionadas ao vômito, a realização de um minucioso exame físico é essencial. Esse deve incluir exame detalhado da cavidade oral, observando a coloração e umidade da mucosa, presença de ulcerações e inflamações locais e checar a presença de corpo estranho linear preso embaixo da língua (Figura 3).
Figura 3: Corpo estranho linear (fio dental) detectado em exame físico da cavidade oral de gato com queixa de anorexia e vômitos.
A palpação abdominal pode ser também bastante informativa, evidenciando a presença de dor, aumentos de volume de linfonodos mesentérios ou de espessura de segmentos intestinais.
O exame físico serve também para determinar o estado de hidratação do paciente, seu escore corporal e, juntamente com as informações obtidas na anamnese, guiar na escolha dos métodos complementares de diagnóstico, sejam eles laboratoriais ou de imagem.
Os exames complementares podem detectar as alterações sistêmicas e também avaliar as consequências do vômito crônico, como os desequilíbrios eletrolíticos e ácido-base. Recomenda-se a realização de um hemograma completo, bem como análises bioquímicas do sangue como ureia, creatinina, ALT, fosfatase alcalina, GGT e bilirrubina. Independente da suspeita inicial, todos os gatos devem ser testados para infecções por retrovírus (FeLV e FIV).
Gatos de meia idade e idosos devem ser submetidos a testes diagnósticos complementares a fim de descartar desordens sistêmicas como doença renal crônica, hipertireoidismo e diabetes mellitus. Portanto, dependendo das informações obtidas, deve-se realizar urinálise, dosagem de T4 Total e glicemia em jejum.
Se, ao contrário, as suspeitas diagnósticas permanecerem nas desordens do trato digestório, testes mais específicos podem ser realizados como, por exemplo, o teste da Imunorreatividade da Lipase Pancreática Felina (fPLI), considerado o melhor teste para o diagnóstico da pancreatite. Outros testes específicos não necessariamente vão apontar a etiologia do quadro apresentado, mas sim uma avaliação funcional do trato digestório, como as dosagens de cobalamina e folato séricos.
Os métodos de diagnóstico por imagem são, com frequência, bastante importantes. A radiografia abdominal é útil como método de triagem e para descartar alterações relacionadas a corpos estranhos, acúmulos anormais de gases e massas, causando deslocamento de vísceras abdominais.
A ultrassonografia abdominal é bastante útil para detectar alterações hepáticas, pancreáticas e espessamentos anormais nas paredes das vísceras, além da presença de massas, linfonodos reativos e líquido livre peritoneal1. Espessamentos suaves a moderados das paredes intestinais inicialmente afetam o peristaltismo, resultando em hipomotilidade e induzindo, então, o vômito crônico. Espessamentos mais graves resultam em má absorção de nutrientes e consequentemente perda de peso, podendo levar à polifagia6. Foi demonstrado que a detecção ultrassonográfica de espessamentos segmentares em paredes intestinais acima de 0,28 cm já justifica a indicação de biópsia cirúrgica do intestino. A maioria desses gatos tem o resultado de análise histopatológica de doença crônica intestinal, com os principais diagnósticos sendo Doença Inflamatória Intestinal ou Linfoma, com incidências praticamente idênticas. Foi demonstrado também que as características ultrassonográficas e achados laboratoriais não foram capazes de diferenciar entre inflamação crônica e neoplasia7.
A endoscopia gástrica também pode auxiliar bastante o diagnóstico de condições que causam vômito, mas somente se a lesão estiver evidente na mucosa. Se houver espessamentos em camadas mais profundas ou a doença não estiver no estômago ou duodeno, não há indicação para o exame2.
Manejo Terapêutico
As principais modalidades de tratamento para o controle do vômito são o tratamento de suporte, o tratamento sintomático e o tratamento específico.
O tratamento específico é sempre o mais recomendável, isto é, tratar a causa de base, seja ela sistêmica ou gastrointestinal.
A reposição hidroeletrolítica é bastante importante para a manutenção do estado hemodinâmico do paciente. Além da óbvia perda hídrica, vômitos frequentes causam também perda de secreções gástricas contendo potássio8. Sabe-se que baixos níveis de potássio causam hipomotilidade gastrintestinal predispondo o paciente a mais vômitos11. Portanto, a fluidoterapia de suporte deve levar em consideração a reposição desse eletrólito.
A via de reposição hídrica deve ser escolhida de acordo com o grau de desidratação do animal, sendo aceitáveis as vias intravenosa ou subcutânea. O fluido de escolha deve levar em conta o tipo de eletrólito perdido, mas na maioria das vezes o fluido recomendado é o Ringer com lactato, exceto se houver alguma contraindicação específica2.
O manejo dietético do gato vomitando também pode contribuir para o tratamento. Não há recomendação de jejum no vômito crônico. Uma das estratégias nutricionais pode ser usar um alimento de alta digestibilidade que deixará poucos resíduos e não causará fermentação ou distensão excessiva do trato digestório. Dietas úmidas e com teores moderados de gordura propiciam o esvaziamento gástrico, podendo contribuir para diminuir os episódios de vômito12.
O tratamento sintomático é necessário para manter o bem-estar do paciente e ganhar tempo até a determinação e manejo da causa de base4. Esse tratamento consiste no uso de antieméticos e pró-cinéticos. Os inibidores da secreção ácida também podem ser acrescentados na terapêutica do gato que vomita, mas devem ser reservados para casos de risco de ulceração gastroduodenal e não usados apenas como “protetores gástricos”, considerando que não são totalmente isentos de efeitos adversos10.
Os principais fármacos utilizados no controle do vômito em gatos estão listados no quadro 2. O bom senso deve ser exercido em não sobrecarregar o paciente com fármacos na tentativa de cessar o vômito, que é um sinal clínico e a busca da causa de base deve ser sempre priorizada.

Quadro 2: Principais fármacos para controle do vômito em felinos.
Considerações Finais
Mesmo sendo considerado um achado frequente e comum, o vômito não deve ser considerado normal e o manejo adequado e a pesquisa da causa devem ser as prioridades do clínico veterinário. Os tutores devem ser orientados a ficarem atentos a esse sinal e mesmo que seja somente “bolas” de pelo, o vômito pode ser sinal de doença.

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Referências bibliográficas:
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2. CRYSTAL MA, LEVINE PB. Vomiting. In: Norsworthy, G.D., editor: The Feline Patient, 4ªed., Ames, Iowa, Blackwell, 2011, Cap.229, pp.555-557.
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